Medicina, ensinando a curar ou a causar danos?
Na semana passada o Brasil ficou assustado com um fato que acontece todo início de ano, na maioria das universidades do país. O programa de televisão Fantástico, da gigante Rede Globo, levou ao ar cenas de um trote violento, em que calouros são humilhados por alunos veteranos. Nada de anormal, certo? Acho que não.
Realmente, veteranos abusarem dos alunos ingressantes não é novidade. Eu mesmo fui alvo de intimidações quando ingressei em uma faculdade. Mas o que me chama a atenção é que há bastante tempo episódios tristes e deprimentes como este tem se tornado mais e mais comum na vida das pessoas, e o pior, os casos mais comuns são aqueles que envolvem alunos que pretendem se formar em medicina.
Um curso que tem um diferencial. Não melhor. Mas diferente. A medicina lida com a vida e, pelo menos no Brasil, parece que os médicos não tem tido muita noção de que isso não deve servir apenas para que os profissionais sejam endeusados. Mas sim, os profissionais precisam ter uma sensibilidade e um amor à vida e aos seres humanos, já que ela é essencial a eles e ambos se vêem nas mãos dos médicos.
Aluno da UNITAU (Universidade de Taubaté), ferido durante trote
Em paralelo, para ilustrar a situação, li uma matéria recentemente, onde uma triste história foi relatada. Dois médicos se agrediram dentro de uma sala de cirurgia onde deveria estar havendo um parto e, quando um terceiro profissional chegou ao local para fazer o que alguém deveria estar fazendo e tirou a criança de dentro de uma mãe em pânico, o recém nascido faleceu enforcado em seu próprio cordão umbilical.
O motivo da briga? Quem receberia pelo parto. Um fez o pré-natal e queria realizar a cirurgia. O outro alegava que estava no horário de seu plantão e, portanto, era ele quem deveria trazer o bebê ao mundo. Não sei quem recebeu, mas o bebê perdeu seu direito de viver.
A medicina se tornou uma profissão elitizada, em geral. Quem, em um país em que o salário mínimo é de aproximadamente R$ 500, pode se dar ao luxo de pagar R$ 2 mil por mês para estudar. Isso só de mensalidade. E quem ingressa em uma faculdade pública de medicina? Não preciso nem comentar...
Infelizmente, a elite econômica ou educacional não é a mesma da elite cultura, de integralidade, honestidade ou de benevolência. O que temos, de forma geral, isso não é regra, nas faculdades de medicina do país, são jovens precoces e sem uma noção de mundo e, principalmente, do que é viver a vida de verdade. Temos garotos e garotas deslumbrados, que sempre tiveram tudo o que o dinheiro pode comprar e que acham que os anos que irão passar na faculdade são aqueles em que tudo lhes é permitido.
Aluno de medicina com marcas causadas por trote violento
Fui acompanhar meu primo à minha faculdade na semana passada. Ele foi aprovado no vestibular e foi fazer sua matrícula. A matrícula não era de primeira chamada, o que significa que os alunos veteranos já estavam tendo aula. Não havia aquele alvoroço que se costuma ver nas matrículas “normais”, até mesmo por este motivo. Mas lá estavam ele. Fazendo um grande alvoroço viam-se alunos uniformizados com tênis de mais de R$ 500 (o que é um salário mínimo para eles?) e suas lindas camisetas onde se lia: MEDICINA UNICAMP – CALOUROS MEDICINA, FALEM CONOSCO. Deveriam estar estudando, mas estavam “recepcionando” os novatos. A algazarra que faziam levava à tensão até mesmo os alunos de outros cursos.
Nas faculdades particulares a situação é ainda pior, sabe-se. Os alunos de medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) levavam os calouros até uma chácara onde uma “festa” seria realizada. Ali, novatos foram amarrados, humilhados, agredidos, ofendidos, enfim, sofreram vários tipos de agressão física e psicológica.
Por falar em agressão psicológica, uma cena da reportagem exibida pela TV Globo me chamou ainda mais a atenção. Num muro da rodovia Mogi-Bertioga, um dos principais acessos à cidade, estava pichado em letras garrafais: CALOURO MED MOGI, SE CHORAR VAI SER PIOR. Uma intimidação pesada. Se a intenção premeditada de realizar um crime leva um juizado a aumentar a pena de um acusado, aí está mais um indício claro do que queriaa os nossos futuros médicos. Sem contar o claro crime de depredação do bem público.
O que mais me intriga e entristece ao mesmo tempo é que nenhuma denúncia foi realizada. Medo? Não sei. Acredito mais na hipótese de a população e esses alunos novatos estarem se acostumando a esse tipo de atitude. É a banalização da selvageria. Num cenário em que Trotes Solidários e integrações saudáveis tem se tornado uma marca de avanço em todo o país, os nossos futuros médicos têm dado demonstrações constantes do que pretendem fazer com o que estão aprendendo nos bancos universitários.
Uma dica preocupante: os médicos e seus sindicatos têm feito severas críticas à iniciativa de submeter os estudantes à avaliações, assim como os advogados devem ser aprovados pela OAB para advogar. Um dos possíveis motivos é que muitos deles seriam reprovados. Leia a matéria de onde extrai o seguinte trecho:
"Uma criança chega a um pronto-socorro com sintomas que podem ser de meningite. Que exame o médico deve fazer para ter certeza? 64% dos alunos que fizeram a prova do Conselho Regional de Medicina de São Paulo não souberam responder a esta pergunta".
Leia aqui.
Uma dica preocupante: os médicos e seus sindicatos têm feito severas críticas à iniciativa de submeter os estudantes à avaliações, assim como os advogados devem ser aprovados pela OAB para advogar. Um dos possíveis motivos é que muitos deles seriam reprovados. Leia a matéria de onde extrai o seguinte trecho:
"Uma criança chega a um pronto-socorro com sintomas que podem ser de meningite. Que exame o médico deve fazer para ter certeza? 64% dos alunos que fizeram a prova do Conselho Regional de Medicina de São Paulo não souberam responder a esta pergunta".
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Hugo Nogueira Luz é jornalista.
nogueiraluz@gmail.com
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