7 de agosto de 2015

O buraco é mais embaixo

Ando cansado de tanto simplismo. Estão tentando tornar questões complexas, explicáveis em uma frase. Um enche o peito e diz: o PT inventou a corrupção no Brasil. Em resposta escuta que o PSDB vendeu o Brasil. É um tal de “eu li na Veja”, o outro leu na Carta Capital. Um cita Reinaldo Azevedo, outro diz que a fonte é o Brasil147...

Tudo muito fácil, muito simples. É isso e não é aquilo. O problema é que essa é a lógica do Pica-Pau, do Tom e Jerry, do Loney Tunes, do Homem Aranha e do Super Homem, onde o mundo é divido entre mocinhos e bandidos. Os mocinhos são só bons, os bandidos são só ruins. Mas o mundo, a vida real, é mais complicada do que isso.


O momento que passamos é delicado. Não só do ponto de vista econômico. Com relação a isso, acredito que os problemas sejam graves e preocupantes, mas com solução, como já passamos diversas vezes. Por exemplo, em outubro de 2002 o dólar chegou a valer R$ 3,95, mais do que vale hoje. O risco Brasil, que hoje está em 335, chegou a mais de 2.000 pontos no mesmo ano de 2002, lembrando que para esse índice, quanto menor, melhor.

Com relação à crise política, a operação Lava Jato está trazendo à tona casos e mais casos de corrupção. Mas, vamos puxar um pouco na memória e voltar no tempo?

Em 2001, uma disputa entre Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho escancarou diversos escândalos, como por exemplo o saque à SUDAM, quando Barbalho foi acusado de chefiar uma quadrilha que teria roubado mais de R$ 1,2 bilhão.

ACM, só para citar um caso desse coronel que fez o que quis por tanto tempo, renunciou depois de ser acusado de fraudar o próprio Senado. E o Renan Calheiros? Em 2007 foi denunciado por receber “ajuda financeira” de lobistas ligados à construtoras, que pagavam despesas pessoais do senador e de sua amante. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Renan renunciou, se livrou e hoje está ditando os rumos do país novamente.  

Eduardo Cunha foi indicado por Collor para a presidência da Telerj, em 1993, e acusado de fazer parte de um esquema de corrupção na campanha do ex-presidente. Depois foi exonerado de uma estatal por denúncias de envolvimento em corrupção.


Sobre Collor, que agora aparece como recebedor de milhões em propina através de suas empresas e não consegue explicar a origem de seus carros milionários, nem vou falar nada.

Isso tudo, meus amigos, sem sequer citar a aprovação da reeleição e as privatizações, no governo FHC, ou o mensalão e petrolão no governo Lula.

O que eu quero dizer é que a corrupção está entranhada no Brasil e é isso que precisa mudar. Os políticos têm feito o que querem há tempos. O que não podemos fazer é deixar com que os partidos, e os políticos, tentem minimizar as coisas tentando se separar em bandidos e mocinhos.

O buraco é mais embaixo e se não entendermos isso vamos, mais uma vez, mudar tudo para que nada seja mudado. 

Hugo Nogueira Luz é jornalista. 
nogueiraluz@gmail.com

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5 de agosto de 2015

Cortando a manteiga

Fazer 30 anos é uma guinada importante na vida. Além de escancarar a mudança entre a fase jovem e a fase adulta (ah meus vinte anos) outras preocupações surgem, como por exemplo a saúde. Eu, logo que entrei na terceira década, resolvi fazer uma bateria de exames que apontaram quase tudo certo. A exceção foi o colesterol, um pouco alterado.

É difícil para o ser humano aceitar suas fraquezas, afinal, gostamos de acreditar que somos invencíveis. Assim, o tal do colesterol encheu minha paciência. Fiquei, por dias, pensando, puxei a lista de alimentos que podiam levar a isso e disse à minha esposa: “faço exercícios, minha alimentação é boa, desta lista das coisas que eleva o colesterol não como praticamente nada, só a manteiga...”

Ah, a manteiga, não abria mão de caprichar na manteiga, fosse no pão, fosse na bolacha, fosse na hora de fazer, raramente, algo frito.  E na hora pensei: “a manteiga não vou tirar, não dá. É a única coisa que como que faz mal, me dou o direito de me esbaldar na manteiga. Tanta gente come e não faz mal”. Mas eu tinha uma tal de herança genética. E estava tão acostumado com meu café da manhã tradicional, mudar estava fora de questão.

Mas os 30 anos trazem, além do cabelo branco, no meu caso, um pouco mais de experiência e ponderação. Assim, passados alguns poucos dias, resolvi deixar que comer manteiga. E, para isso dar certo, a mudança tinha que ser drástica. Fui ao supermercado, comprei algumas coisas pelas quais eu poderia substituir a “tão querida companheira de todas as manhãs” e fui em frente.

Primeiro dia, abri a geladeira, olhei para ela e disse mentalmente, “é aí que você tem que ficar”. Segundo dia, distraído, cheguei a pegar o pacote errado e colocar na mesa, aí lembrei e resolvi deixa-la ali para minha esposa, afinal, era eu quem não podia comer. No terceiro dia já foi mais natural, tirei a manteiga, como antes, mas, sem grandes problemas, comi meu pão com outras coisas. E assim as coisas foram caminhando e a insubstituível manteiga deixou de fazer parte da minha vida, de uma forma muito mais fácil que achei que seria.

Ainda vou fazer novos exames, mas tudo leva a crer que a situação vai estar melhor. E isso me mostrou que com a vida a lógica é mais ou menos a mesma: queiramos ou não há algumas coisas, alguns hábitos, algumas pessoas, que simplesmente nos fazem mal. Pode ser aquilo que mais gostamos, aquilo que acreditamos não conseguir viver sem. Mas, ficar lamentando, achando-se uma vítima ou se sentir perseguido só atrasa mais a decisão que é inevitável.

Se há algo que te faz mal, corte, tire de sua vida, rápida e definitivamente. Tomar essa atitude drástica pode doer bem menos do que você pensa. E, afinal, o que não tem remédio, remediado está...



Hugo Nogueira Luz é jornalista. nogueiraluz@gmail.com

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10 de julho de 2015

O Fla Flu da Política

A política é uma atividade essencial para a vida social. A própria origem da palavra, no grego, significa cidadão (politikos = morador da Pólis, cidade). Mas, não é de hoje que os brasileiros mantem-se à determinada distância da política. Ouso dizer que boa parte da população destila certo ódio a ela, mais especificamente aos “políticos”. E, junto com o ódio surge algo tão prejudicial quanto: a paixão.

Mas o que é paixão? Uma rápida busca nós traz significados como: algo que acontece a uma pessoa independente de sua vontade ou mesmo contra ela; derivado de pathos e patologia.

Óbvio que estes são somente alguns dos significados, mas mostra um lado perigoso da paixão. Quem está apaixonado age quase que exclusivamente com emoção, deixando a razão de lado. Dois jovens namorados podem matar e morrer em nome desse amor, como, na literatura, Romeu e Julieta. Como esquecer o caso de Eloá, que foi morta na frente das câmeras que transmitiam tudo para o mundo todo? Por que? Por paixão!

É o que está acontecendo com a política no Brasil. A paixão está tomando conta de tudo. E essa doença está cegando as pessoas. Ninguém pensa mais se tal medida é boa ou ruim para o Brasil, se irá ajudar a resolver os problemas futuros ou não. Só se enxerga cores, bandeiras. Quase como um FLA X FLU, ou então um Corinthians e Palmeiras.

E isso precisa acabar, pois só quem ganha com isso são os maus políticos. A população, que se manteve afastada da política por tanto tempo, precisa entender que o ódio não vai mudar nada nesse momento. Se cada um ficar na torcida pela vitória “do seu”, quem vai perder somos todos nós.

A visão tão disseminada de que “político é tudo igual” serve para nos afastar cada vez mais daquilo que é realmente importante. Existem políticos desonestos em todos os partidos. Mas há, sim, políticos honestos. É preciso participar, discutir, cobrar, principalmente cobrar, acompanhar as sessões e as votações, para que nas próximas eleições aqueles que atuam defendendo somente os interesses políticos partidários não voltem a se eleger.

Mas, para isso, é preciso deixar a paixão, e a emoção, de lado, e agir com a razão. Afinal, paixão de mais pode até matar. E o que está em jogo é nosso futuro.

Hugo Nogueira Luz é jornalista. nogueiraluz@gmail.com



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Bater em bêbado é covardia, mas pode funcionar

Dia 8 de julho fez um ano do fatídico 7 a 1 da Alemanha no Brasil naquela semi final da Copa do Mundo. Falar disso de novo? Isso já está pior que chutar cachorro morto ou bater em bêbado.

Mas eu fiquei pensando. Bater em bêbado, se levado à cabo literalmente, pode até ser uma injustiça. Mas eu aposto que para uma esposa, um filho ou algum familiar cansado dos porres do cidadão, tenha lá alguma utilidade uns belos tabefes, na esperança que se aprenda alguma coisa.

Então eu vou lá tentar dar uns safanões. Não na CBF, nem no Ricardo Teixeira, Joaquim Marin ou Del Nero. Esses ou já estão pagando ou estão na iminência de pagar pelo mal que fizeram a nós, brasileiros.

A minha questão é se vamos aprender alguma coisa com aquele 7 a 1, com as prisões desses salafrários e com a derrota para o Paraguai, mais recentemente. Mas mudar de verdade. Porque o Brasil, como já dizia um professor de história no ensino médio, é o país onde muda-se tudo, para que nada seja mudado.

E olha que precisamos de muitas mudanças. Precisamos de educação de qualidade. Mas precisamos que os pais cobrem que seus filhos que estudem. Precisamos de saúde de decente. Mas precisamos nos prevenir de doenças antes de correr para o PS. Precisamos de políticos honestos. Mas precisamos aprender a votar e a deixar de vender o voto.

Por que estou falando isso? Porque o brasileiro é o povo do imediatismo. O povo que só quer vencer, ganhar, levar vantagem. Sem fazer muito esforço, diga-se de passagem. Como disse o Engenheiros do Havaí, “o milésimo gol sentado em uma mesa de bar”.


Recentemente o jogador Daniel Alves, do Barcelona, deu uma entrevista afirmando que, em 2012, o consagrado treinador Pep Guardiola desejava treinar o Brasil. Ele teria, inclusive, uma estratégica montada para reformar a seleção. Mas a conversa não saiu do papel. Por quê? De acordo com Dani Alves, os dirigentes disseram que o povo brasileiro não aceitaria um treinador estrangeiro.


Acredito nisso. Falta-nos humildade para dizermos: não somos os melhores, não sabemos tudo, precisamos de ajuda. Nós insistimos em levantar a cabeça, fazer pose, mesmo que seja para sair na foto dos 7 a 1.

Então, que tenhamos aprendido com tudo isso. Que os tapas acordem os bêbados que temos por aqui. E que tenhamos dirigentes de futebol sóbrios. Que tenhamos treinadores com capacidade de raciocínio. Que tenhamos jogadores que não sejam pegos no antidoping. Que tenhamos políticos dignos.


Mas que tenhamos bons brasileiros, que mesmo de ressaca, cobrem, exijam, mas façam sua parte, com dignidade, honestidade e competência.  


Hugo Nogueira Luz é jornalista. nogueiraluz@gmail.com

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5 de julho de 2015

Confiar no lobo vigiando o cordeiro?

Certa vez, ainda na juventude, fui a uma festa com um amigo e, ao passar em sua casa, ele me disse que levaria a irmã caçula. Tentei ser legal com o pai da garota, que estava começando a frequentar festas, e fiz uma brincadeira do tipo: “pode deixar que a gente olha ela”, recebendo, como resposta, o seguinte: “e eu vou confiar no lobo pra vigiar o cordeiro”? Mas, que outra alternativa ele tinha?



Acho que é mais ou menos assim que a Dilma está se sentindo. A cada dia uma novidade joga sua governabilidade para mais baixo, apertando um pouco mais a faca em seu pescoço, de todos os lados.

As pesquisas de opinião mostram sua popularidade caindo cada vez mais e as medidas econômicas exigidas para corrigir os erros do passado não deixam a menor possibilidade de que essa curva se inverta, pelo menos no curto prazo.

E, no campo político, as pancadas vem de todos os lados. Da oposição, que depois de 12 anos procurando um caminho a seguir recebeu uma bandeja onde prometeram que a cabeça da presidente vai repousar; dos partidos de sua aliança, que estiveram ao lado do Governo por pura conveniência, e por ela também deixarão de ali estar; do PT, que está mais perdido de cego em tiroteio com todos esses acontecimentos recentes, uns tentando se livrar outros tentando entender o que aconteceu.

E tem o PMDB, que faz parte da aliança fisiológica criada por Lula para permitir que o PT permanecesse no poder com margem de manobra. Mas o PMDB se distingue dos demais partidos da base porque, em caso de queda de Dilma, é ele quem toma conta do Planalto. Seja por uma queda isolada da presidente, assumindo seu vice, Michel Temer, seja por queda da coligação, situação na qual o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, vira presidente.

O grande problema disso para Dilma é que, se tem alguém que pode ajudá-la a tentar navegar nesse mar sem muitas tempestades é justamente o PMDB, que tem o presidente da Câmara, o Presidente do Senado, maioria nas duas casas e, por fim, tomou as rédeas da política nacional depois que os eleitores brasileiros racharam, em outubro passado, em PT e anti PT.

E é justamente isso que deve estar tirando o sono da presidente: para tentar salvar seu governo ela precisa que o PMDB lhe dê cobertura e ajude na articulação política, nesse momento para aprovar a reforma fiscal, para engavetar eventuais pedidos de impeachment e segurar os ânimos dos mais afoitos em tirá-la do poder e, num futuro bem próximo, para conduzir, da melhor forma, uma possível rejeição das Contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, o que pode levar ao afastamento da governante. Só que esse mesmo PMDB que pode ajudá-la a ficar no Planalto é o mais interessado no caso dela perder o poder.

E olha que é muito lobo pra vigiar um “cordeirinho” tão judiado.


Acompanhemos e vejamos onde isso vai dar.   


Hugo Nogueira Luz é jornalista. nogueiraluz@gmail.com

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16 de agosto de 2014

Como Eduardo Campos pode decidir a eleição sem ter nenhum voto

Eduardo Campos era um dos nomes mais fortes para as eleições... de 2018. Quem convive com a política sabe muito bem que a estratégia de Campos, iniciada com o apoio maciço, e regado a muito dinheiro, a candidatos a prefeituras em todo o Brasil, dois anos atrás, tinha como degrau as eleições de 2014, quando o ex-governador do longínquo Pernambuco e ex-ministro da apagada pasta de Ciência e Tecnologia, se lançaria na vitrine política nacional.


Esperava-se que suas pernas aguentassem bem essa etapa, fazendo com que Campos, herdeiro de considerável histórico e linhagem política, fosse um dos favoritos para presidir o Brasil depois de 2018. Muito provavelmente, nesse cenário, conduzido por seu amigo e tutor político, Luiz Inácio Lula da Silva. Não quero dizer que ele entrou para perder, mas vencer o pleito de 2014 seria um feliz acidente.

Agora, Campos pode decidir as eleições mesmo sem ter um único voto. Sua morte repentina conseguiu o que sua maior tacada política, o lançamento de Marina Silva como sua vice, ainda parece não ter trazer para sua candidatura: a sensação da real possibilidade de mudança.

É muito mais fácil confiar em uma possibilidade que poderia ter acontecido do que em algo concreto. Campos não pode decepcionar mais ninguém. Ele não tem como cometer mais erros, já que está morto. Então está sendo alçado à imagem de perfeição. Não estou dizendo que era um político ruim. Mas agora, como diz aquela velha expressão popular: morreu, virou santo...

Nesse caso, ele acabou suprindo as carências e os desejos da população, mesmo que esta não o conhecesse até sua morte, mesmo que ele, se não tivesse morrido, dificilmente conseguiria chegar à casa dos 20% de votos válidos.

Depois de morto, a imagem do “candidato” Eduardo Campos conseguiu atingir pessoas e locais que ele demoraria muito (tempo e dinheiro) para atingir. Aliado a isso, a tragédia que o levou acendeu o lado sofredor do brasileiro, que nos faz sentir pena e torcer sempre por aquele que sofre ou está sendo prejudicado.

Isso tudo pode jogar milhões de votos na conta daquele que o suceder nas eleições de outubro. Isso, é claro, se esse sucessor souber como conduzir isso.

Marina Silva tem um eleitorado próprio muito pequeno. Dos 20 milhões de votos que obteve no último pleito, provavelmente 90% era o voto de quem não queria nem PT nem PSDB. Seus números não se alterariam muito esse ano, caso fosse candidata. Isso antes de Campos morrer e de sua viúva declarar publicamente que Marina deve continuar a caminhada que ele iniciou.

Agora, o jogo pode mudar. Já está mudando. A esperança que se criou e foi enterrada simultaneamente junto com os destroços do avião de Eduardo Campos podem, senão conduzir Marina Silva ao Planalto, dar muita dor de cabeça aos demais presidenciáveis.


Aécio, Dilma e Lula sabem disse desde o momento em que receberam a notícia do desastre. Resta saber se terão como impedir o Tsunami deflagrado em Santos na última quinta feira.      


Hugo Nogueira Luz é jornalista.

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8 de novembro de 2013

A grande vitória

O garoto voa em sua bicicleta. Os grandes buracos, morros, depressões, nada disso é páreo para ele. Sim, tudo aquilo que seu pai, seus tios contavam que faziam não chega aos pés de sua habilidade. Ah, se eles pudessem o ver agora.

O público em volta da pista se levanta. Os gritos, as bandeiras, a cantoria é toda para ele.

Nunca havia sentido nada disso antes. Que adrenalina, que emoção.

Agora ele entende tudo aquilo que eles contavam. Como é bom ser amado por aquilo que se faz. Muito bem feito, por sinal.

O pensamento é único: “se meu pai pudesse ver isso. Ah, se ele pudesse, ia ter tanto orgulho”.

Já foram muitas voltas. O segundo colocado está bem para trás. Ele olha com o canto do olho, mas não vê nem sinal de adversários.

Essa costela de vaca é a mais perigosa da pista. Foco! Concentra. Segura firme e aguenta a pressão. É agora...  Sua mão treme, dói. Está suando. Mas consegue controlar a bicicleta e faz mais uma curva sensacional.

Foi assim a prova toda. Ele escuta a voz do locutor narrando, em inglês, sua façanha. “It’s incredible! This is the best lap of the season.” Está tudo quase como ele sempre sonhou. Quase…

A corrida vai avançando e não tem outro jeito. A vitória é garantida. Agora é só manter a atenção e não errar. Os obstáculos vão sendo superados, um a um, e a volta final se aproxima.

Finalmente chegou. Seus pernas já começavam a doer. A volta final. Neste momento, o separam da glória e do reconhecimento somente uma curva fechada e uma rampa, que vai o colocar a poucos metros da linha de chegada. Mas isso é fichinha, depois de tudo o que ele fez hoje. Ele já se imagina no pódio, cercado pelos amigos, pela mãe, pelas garotas da escola...

Curva perfeita, alinha a bicicleta, ganha velocidade para a rampa e ...

O olhar do garoto, antes focado na pista, se vira para o lado. Ele crê, tem certeza que viu seu pai, olhando para ele. Seria possível? Será que ele deixou tudo aquilo que ele nunca deixava e estava ali? Mas e o trabalho? Ele vive dizendo que não tem tempo para essas coisas, que alguém precisa colocar dinheiro em casa, comida na mesa.

Ninguém respira na arquibancada. A bicicleta cai no chão. Muita poeira. Não dá para ver o que aconteceu. 

Agora sim, a nuvem fica mais clara. O garoto caiu. Está no chão, há poucos metros da vitória. O segundo colocada passa por ele e cruza a linha.

Mas não importa. Ele olha para o lado. O pai está na mesa, teclando em seu computador.

Também sua. A camisa amarrotada, mal dobrada devido a pressa. Os óculos na ponta do nariz olham fixamente para a tela luminosa...

Infelizmente nada mudou.

O garoto olha para a tela da televisão, onde pisca uma mensagem:
- “You lost. Run again?”

Ele olha de novo para o pai... Nada, olhos fixos no computador.

Desliga o vídeo game, a televisão e vai para o quarto.

Suspira e pensa: “Bem que ele podia ter olhado, nem que fosse para me ver caindo...”

Hugo Nogueira Luz

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6 de novembro de 2013

Enxergar com o cérebro

Abro uma janela do computador. Ali tem cerca de 30, talvez 50 itens, chamados de arquivos. Procuro um, só um. Levo menos de 2 segundos até que, de repente, meus olhos acham o que eu procurava: a caixa de busca. Impressionante, eles se dirigiram automaticamente para lá.

Isso me fez lembrar algo que há muito estava perdido em minha memória e que também envolve olhos.

Meu pai sempre fez questão de ir e voltar do trabalho a pé. Durante um bom tempo usava a bicicleta para ir ao consultório. Mas a maioria das vezes era a pé mesmo. Aí, me lembrei agora, de muitas vezes em que estava na rua, brincando, e o via chegando, lá na esquina e corria para encontrá-lo.

Pois bem. Não eram raras as vezes que ele estava de olhos fechados, andando com a mão “raspando” nos muros e grades das casas pelas quais passava. Para alguém que não o conhecesse poderia parecer estranho, mas eu sabia muito bem a razão daquilo.

Era a mesma razão pela qual se podia vê-lo trocar inúmeras vezes a caneta de mão ao escrever, ou mesmo para escovar os dentes: “é preciso exercitar o cérebro, pois ele é como qualquer músculo do corpo. Se não exercitar ele atrofia”.

Quantas vezes escutei isso e cresci com isso em meu estilo de vida.

Mas agora vejo que o mundo de hoje, esse mundo 2.0, 3.0, ou sei lá quantos pontos zeros, nos dá tudo de mão beijada. “Tá difícil de achar? Usa a busca!”

A começar pelo ‘está’ que já virou ‘tá’, assim como o ‘você’ virou ‘vc’ e mts outras tbm, até nossa preguiça mental, que não é mais capaz de perder 30 segundos, um minuto para procurar alguma coisa. Mas já perde a paciência e, em dois ou três segundos já apela para um ‘atalho’.

Nicholas Carr, em seu livro O que a Internet está fazendo com nossos cérebros – A Geração Superficial”, conta que “costumava mergulhar em um livro ou em um artigo imenso (...). Agora, isso raramente acontece. Minha concentração começa a se extraviar depois de uma ou duas páginas. Fico inquieto, perco o fio, começo a procurar alguma coisa mais para fazer. Sinto como se estivesse sempre arrastando o meu cérebro volúvel de volta ao texto. A leitura profunda que costumava acontecer naturalmente tornou-se uma batalha” (Pág. 17).

A internet trouxe, e traz, a cada dia, inúmeros e grandes benefícios e vantagens.

Mas, de agora em diante vou lembrar um pouquinho de meu pai caminhando de olhos fechados e vou tratar de exercitar mais meu cérebro.

Hugo Nogueira Luz

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