8 de novembro de 2013

A grande vitória

O garoto voa em sua bicicleta. Os grandes buracos, morros, depressões, nada disso é páreo para ele. Sim, tudo aquilo que seu pai, seus tios contavam que faziam não chega aos pés de sua habilidade. Ah, se eles pudessem o ver agora.

O público em volta da pista se levanta. Os gritos, as bandeiras, a cantoria é toda para ele.

Nunca havia sentido nada disso antes. Que adrenalina, que emoção.

Agora ele entende tudo aquilo que eles contavam. Como é bom ser amado por aquilo que se faz. Muito bem feito, por sinal.

O pensamento é único: “se meu pai pudesse ver isso. Ah, se ele pudesse, ia ter tanto orgulho”.

Já foram muitas voltas. O segundo colocado está bem para trás. Ele olha com o canto do olho, mas não vê nem sinal de adversários.

Essa costela de vaca é a mais perigosa da pista. Foco! Concentra. Segura firme e aguenta a pressão. É agora...  Sua mão treme, dói. Está suando. Mas consegue controlar a bicicleta e faz mais uma curva sensacional.

Foi assim a prova toda. Ele escuta a voz do locutor narrando, em inglês, sua façanha. “It’s incredible! This is the best lap of the season.” Está tudo quase como ele sempre sonhou. Quase…

A corrida vai avançando e não tem outro jeito. A vitória é garantida. Agora é só manter a atenção e não errar. Os obstáculos vão sendo superados, um a um, e a volta final se aproxima.

Finalmente chegou. Seus pernas já começavam a doer. A volta final. Neste momento, o separam da glória e do reconhecimento somente uma curva fechada e uma rampa, que vai o colocar a poucos metros da linha de chegada. Mas isso é fichinha, depois de tudo o que ele fez hoje. Ele já se imagina no pódio, cercado pelos amigos, pela mãe, pelas garotas da escola...

Curva perfeita, alinha a bicicleta, ganha velocidade para a rampa e ...

O olhar do garoto, antes focado na pista, se vira para o lado. Ele crê, tem certeza que viu seu pai, olhando para ele. Seria possível? Será que ele deixou tudo aquilo que ele nunca deixava e estava ali? Mas e o trabalho? Ele vive dizendo que não tem tempo para essas coisas, que alguém precisa colocar dinheiro em casa, comida na mesa.

Ninguém respira na arquibancada. A bicicleta cai no chão. Muita poeira. Não dá para ver o que aconteceu. 

Agora sim, a nuvem fica mais clara. O garoto caiu. Está no chão, há poucos metros da vitória. O segundo colocada passa por ele e cruza a linha.

Mas não importa. Ele olha para o lado. O pai está na mesa, teclando em seu computador.

Também sua. A camisa amarrotada, mal dobrada devido a pressa. Os óculos na ponta do nariz olham fixamente para a tela luminosa...

Infelizmente nada mudou.

O garoto olha para a tela da televisão, onde pisca uma mensagem:
- “You lost. Run again?”

Ele olha de novo para o pai... Nada, olhos fixos no computador.

Desliga o vídeo game, a televisão e vai para o quarto.

Suspira e pensa: “Bem que ele podia ter olhado, nem que fosse para me ver caindo...”

Hugo Nogueira Luz

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