A grande vitória
O garoto voa em sua bicicleta. Os grandes buracos, morros,
depressões, nada disso é páreo para ele. Sim, tudo aquilo que seu pai, seus tios
contavam que faziam não chega aos pés de sua habilidade. Ah, se eles pudessem o
ver agora.
O público em volta da pista se levanta. Os gritos, as
bandeiras, a cantoria é toda para ele.
Nunca havia sentido nada disso antes. Que adrenalina, que
emoção.
Agora ele entende tudo aquilo que eles contavam. Como é bom
ser amado por aquilo que se faz. Muito bem feito, por sinal.
O pensamento é único: “se meu pai pudesse ver isso. Ah, se
ele pudesse, ia ter tanto orgulho”.
Já foram muitas voltas. O segundo colocado está bem para
trás. Ele olha com o canto do olho, mas não vê nem sinal de adversários.
Essa costela de vaca é a mais perigosa da pista. Foco!
Concentra. Segura firme e aguenta a pressão. É agora... Sua mão treme, dói. Está suando. Mas consegue
controlar a bicicleta e faz mais uma curva sensacional.
Foi assim a prova toda. Ele escuta a voz do locutor
narrando, em inglês, sua façanha. “It’s incredible! This is the best lap of the season.” Está tudo
quase como ele sempre sonhou. Quase…
A corrida vai avançando e não tem outro jeito. A vitória é
garantida. Agora é só manter a atenção e não errar. Os obstáculos vão sendo
superados, um a um, e a volta final se aproxima.
Finalmente chegou. Seus pernas já começavam a doer. A volta
final. Neste momento, o separam da glória e do reconhecimento somente uma curva
fechada e uma rampa, que vai o colocar a poucos metros da linha de chegada. Mas
isso é fichinha, depois de tudo o que ele fez hoje. Ele já se imagina no pódio,
cercado pelos amigos, pela mãe, pelas garotas da escola...
Curva perfeita, alinha a bicicleta, ganha velocidade para a
rampa e ...
O olhar do garoto, antes focado na pista, se vira para o
lado. Ele crê, tem certeza que viu seu pai, olhando para ele. Seria possível?
Será que ele deixou tudo aquilo que ele nunca deixava e estava ali? Mas e o
trabalho? Ele vive dizendo que não tem tempo para essas coisas, que alguém
precisa colocar dinheiro em casa, comida na mesa.
Ninguém respira na arquibancada. A bicicleta cai no chão.
Muita poeira. Não dá para ver o que aconteceu.
Agora sim, a nuvem fica mais clara. O garoto caiu. Está no chão, há poucos metros da vitória. O segundo colocada passa por ele e cruza a linha.
Mas não importa. Ele olha para o lado. O pai está na mesa,
teclando em seu computador.
Também sua. A camisa amarrotada, mal dobrada devido
a pressa. Os óculos na ponta do nariz olham fixamente para a tela luminosa...
Infelizmente nada mudou.
Infelizmente nada mudou.
O garoto olha para a tela da televisão, onde pisca uma
mensagem:
- “You lost. Run again?”
Ele olha de novo para o pai... Nada, olhos fixos no
computador.
Desliga o vídeo game, a televisão e vai para o quarto.
Suspira e pensa: “Bem que ele podia ter olhado, nem que
fosse para me ver caindo...”
Hugo Nogueira Luz
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